Minha poesia não se encontra nessas folhas amassadas,
cheirando a mofo, em grandes bibliotecas. Minha poesia não foi cantada por
trovadores, não encontrou a paixão dos românticos nem se estreou nos teatros.
Minha poesia não foi recitada, cantada, sequer lembrada. Não está na natureza,
no arfar obsceno dos amantes ou nos seios fartos da ama de leite. Ela não
ajunta, não destrói, não pode ser lida em alta voz.
Minha poesia foi escrita nas cavernas, é antiga como o
pecado de Eva no Paraíso e dela nasceu o fogo. Foi lentamente comida pelas
traças, arrasta pelas águas da chuva, dada aos porcos famintos. É escura como
os olhos de um louco, ressequida como a ferida leprosa, fétida pela podridão
que encerra.
Minha poesia é a vida e a solidão macondiana. É os sonhos
frustrados do jovem apaixonado, é os livros guardados sem ler, é aquela tarde
que ninguém reparou a cor. Todo tempo que se perde, todo beijo sem amor, todo
adeus que machuca, cada uma dessas misérias humanas dão à luz minha pobre
criança versada. Versada no saber que não serve a ninguém. Versada na angústia
que tempera as noites. Minha criança que nasceu morta e não há terra que caiba
seu corpo fino.
Minha poesia é a morte e a ilusão da salvação. Na minha
poesia, crucificamos deuses e lhes agradecemos o peixe que nos farta a mesa.
Nela, toda pele é inútil, todo músculo, somos ossos e vísceras, famintos por
tão fraca salvação. Minha poesia me salva de toda felicidade. Caio no mais
profundo poço e a encontro úmida e enrugada, latejando prazer. Do meio de suas pernas, escorre o fel da sua
melhor cria: a dor.
Queimariam minhas palavras rotas, se pudessem, lançá-las-iam
aos cães, se os tivessem, expurgariam todas minhas dores, se as conhecessem.
Mas não há quem as encontrem, sejam as palavras vomitadas ou as dores
abraçadas, minha poesia as esconde por baixo desse sorriso leve e juvenil. Por
baixo dessa roupa feita sobre medida, dessa pele com perfume de suor, uma alma
sangra e clama liberdade. Faça desse dia tua última lembrança, chora ela
desafortunada.
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