
No lado leste das Montanhas Viradas para o Oeste, nasce um Rio. No príncipio dos tempos, surgiu em suas margens uma parca civilização sem valor nenhum, os homens que lhe deram origem puderam ver o nascimento desse Rio e o que exatamente aconteceu é contado assim:
"Quando Deus e a Deusa se uniram e criaram o Universo, o Sol e a Terra, com todos os seres que ali viviam, homens, animais, plantas, a última era completamente seca e sempre que os seres necessitavam de água, a Deusa fazia descer do céu a chuva, cujas águas todos os seres eram capazes de estocar e assim eles se mantinham por alguns dias. Deus, que é bom, via sua amada mulher desdobrar-se em esforços sobredivinos para saciar a sede daquele povo, a que ela desprendia toda sua atenção e cuidava como se fossem as pessoas rosas prontas a desabrochar, e a benevolência de sua esposa para tão insignificantes seres moveu seu coração que por toda a Terra pode se ouvir as batidas fortes que anunciavam como trombetas a ação do Rei.
Tomado por criatividade artística de Criador, Deus tomou sua esposa e a deitou sobre as Montanhas Viradas para o Oeste, com a precisão de um médico, enfiou sua mão no útero dela e retirou um dos seus ovários, o qual assoprou. O ovário, sobre a ação de fluido tão puro, se fez água e ela foi posta sobre as Montanhas, descendo-as devagar, formando por onde passava o Rio. A chuva se tornou desnecessária e nunca mais ocorreu."
O Rio tinha Alma que era límpida como seu leito, brilhante como sua superfície e refrescante como as muitas águas que corriam. Ele tinha a capacidade de por onde passar deixar tudo mais feliz, as pessoas que sua água bebiam diretamente sentiam alívio de suas dores e o seu balançar podia embalar bebês, pois sua correnteza mansa nunca os levava para longe de suas mães. O Rio ia até o fim da Terra, mas a Terra não tinha fim.
Após anos de completa harmonia, o Sol pediu ao Rio que se esforçasse e lançasse no ar algo de suas águas, porque tinha tido uma ideia e seria ótima. Diante de tal pedido, todos os homens se ajuntaram às margens do Rio, ele, por sua vez, se contorcia e se revirava tentando desprender de si um pouco de água. Passados dois longos meses em que nenhum progresso era feito, algumas águas se desprenderam e subiram aos céus. O Rio logo exclamou sua vitória, o Sol fez força para aumentar o seu brilho, as pessoas olhavam curiosas para cima, quando a água e os raios solares fizem no céu um arco, colorido e brilhante, algo que ninguém nunca tinha visto igual, até os Deuses se encantaram e lhe chamaram arco-íris.
Aquele espetáculo começou a ser constante por anos e sempre que acontecia, os homens tiravam folga de seu afazeres praa olhar o céu e os Deuses assopravam vida por toda a Terra.
Quando a visão do arco-íris já não deva tanto prazer, o Sol decidiu aumentar a potência de seus raios e tentar a chance. Na hora marcada, o Rio se contorceu, jogando água no ar e o Sol gritou de dor aumentando muito o seu brilho, desse movimento surgiu um arco-íris duplo que se fixou no céu, levando todos os habitantes da Terra à total contemplação. O dia se foi, a noite chegou, e o duplo arco-íris permanecia preso à abóbada celeste.
O Rio que sereno continuava a descer pelas terras admirava o arco-íris e pensava que nem os Deuses eram tão belos e antes que o Sol nascesse outra vez, caia apaixonado pelo arco-íris. A partir de então, em sua função, trabalhava, sem tirar os olhos daquele arco que cortava o céu e das suas margens, saia melodias harmoniosas que a todos diziam de amor. Durante o dia, descia seu caminho como sempre havia acontecido e, pela noite, se contorcia e se esforçava para alçar o céu, sem conseguir êxito nenhum.
Séculos se passaram, o arco-íris continuava colado ao firmamento, o Rio, seu amante, continuava a tentar em vão lhe por as mãos, lhe tocar os lábios, sentir o cheiro, e só corria seu caminho dia após dia. Suas águas se tornaram grosseiras, seu sabor, pestilento, seu brilho se esvaecia... Em dor, o Rio derramou uma lágrima em sua margem, e depois outra, até que um pranto se escoasse e muitas lágrimas lhe cobrissem a margem, tão forte era o choro, que as Montanhas Viradas para o Oeste se viraram para o leste para saber o que acontecia. Como nada o fazia parar, pois sua dor nunca fora conhecida na Terra, o Rio transbordava e ocupava todo o chão que antes eram onde os homens plantavam e viviam, esses, amendrontados, fugiam a lugares mais altos e pediam misericórdia dos Deuses.
Vendo tanto sofrimento sobre a Terra que fora criada para ser feliz, os Deuses destruiram o arco-íris no céu, seus pedaços caiam sobre o chão e sobre o próprio Rio, que, ao sentir sobre si a textura leve e agradável de sua amada, acalmou-se. Entretanto, nas terras baixas, o Rio se tornara imenso de modo a não ser possível ver um único pedaço de terra. Os homens, tranquilazados pelos Deuses, desceram para perto das águas e as provaram, "Águas de dor, águas salgadas de dor!".
Águas salgadas, turbulentas, escuras e sem fim. Águas de dor.
2 comentários:
Muito bom esse mito de criação sobre o Mar, gostei bastante. Escreva mais. Escreva sempre.
Sei lá, deu um nó no peito. O final, sabe... Tô comentando antes de notar os reais personagens, mas... Digamos que consegui engolir, durante o processo, as águas de dor. E na parte final, quando tudo é claro me senti um pouco enjoada. E você sabe que textos bons fazem isso. Me emocionou. Adorei! Beijos
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