segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Máscara


A sala tinha as paredes extremamente brancas, como nenhum tecido pode alcançar, eram lânguidas, compridas, uma criança diria que elas certamente encostavam no céu. O chão se mostrava num belo mosaico, que formavam figuras históricas e contos de amor. A sala era quase completamente vazia, apesar de suas dimensões exageradas, o que dava ao som uma capacidade única de ecoar e ecoar, sem nunca deixar de existir, o único móvel visível era uma cadeira firme que formava o estranho símbolo de uma cruz onde podia se ver os escritos: “Força e Poder”, na vertical, e “Amor e Dor” na horizontal. Em frente a essa cadeira estava uma mulher cujos cabelos enrolados e caídos até o meio de suas costas eram mais negros que se possa imaginar, os olhos também assim tão negros e de insolúvel reação a qualquer detalhe a sua volta e como na cadeira, neles, se lia claramente os mesmos dizeres.  Uma capa de cetim vermelho deitada ao chão, tirada há tão pouco tempo pelos seus movimentos, indicava qualquer tipo de nobreza de sua bela dona.  O que a capa anteriormente escondia aos olhos era um corpo fino de uma cor branca como se refletisse ou fosse molde àquelas paredes, vestido com simplicidade e bom gosto, num pequeno vestido azul.  Aquela mulher que de maneira alguma se deixaria passar despercebida olhava com tanto pesar, com tanta piedade e amor, e todo desejo, um homem comum, de vestes tão mirradas que não mereceriam nenhuma descrição, que ajoelhado aos seus pés respondia ao olhar daquela com intensidade e confusão.
Aquela imagem estática, que parecia planejava por um deus que não queria nela por um fim, se estendeu por um tempo que não pude calcular; qualquer observador, mesmo relapso, se deixaria envolver nela, se sentiria tão parte dela que não pensaria em mais nada, não desejaria ver mais nada, como se a vida se resumisse àquele momento e depois desse se extinguiria deixando tudo sem nenhum propósito além de estar ali, parado, observando aquela mulher e homem, com os olhares sólidos, apontados feitos armas de guerra, encostados feitos lábios durante um beijo, tão conectados que agora me confundo com outros detalhes. Não seria o homem que real se mantinha em pé? Ou a mulher que maltratada implorava ao chão? Seria dia? Existiu aquela sala? O que me importaria qualquer uma dessas respostas se aquela troca de sentimentos, se aquele fio prateado que ligava os olhares de um ao do outro simplesmente se rompesse? Por que nasceria eu senão para parar ali e observar?
Nenhum movimento, a estética mantida na mente do artista, o quadro rubro riscado em negro dava a forma. Os olhares fixos demostravam almas irrequietas, implorando por mais silêncio, que tempo esquecesse seus passos lentos, que as crianças não crescessem, que um novo amor não surja, que o velho não morra; mas uma lágrima decidiu quebrar aquela paz, como a neve no final do inverno, aquela lágrima mudou o mundo, deu à cena um ar vivo, aquilo que não passaria de uma obra num museu em que todos pudessem ver seus próprios rostos naquelas personagens, naquela momento, respirou. A pulsação ganhou seu ritmo usual em meu peito que arfava. No rosto do homem que ali se ajoelhara em silêncio, a lágrima retumbou, escorreu e não foi limpa. Sob seus joelhos os mosaicos antigos se trincavam e moviam, recriando a bela cena há pouco interrompida; ao mundo a desgraça de se perder a sua beleza nunca mais replicada. O som era minha agonia, a lágrima não queria se calar. Da parede escorria o lodo com seu fétido odor, maculando a alva parede em verde, e tremia. A beleza teve um fim; amores de manhãs frias.
Ele disse: “Quero viver. Ordena-me”.  Como a lua, no crepúsculo, repetidamente diz ao sol, ele disse: “Quero viver. Ordena-me”. Ordem banal; sem motivo. Há quem viva, eu vivo, por esse momento eu vivera e por ele darei meus dias, escreverei contos e poemas e farei de sua imobilidade, a paixão de minhas noites e suas canções. A ordem seria clara: Viva! Era o que ele queria, vida. Dar-lha-ia eu, se a tivesse em abundância, dar-lha-ia eu, se minha própria vida não se resignasse a ser uma observação. A lágrima ao chão era a única que poderia nos dizer que vida era essa que ele, de joelhos, implorava, mas já se tornara pedra, já compunha o mosaico que lutava para refazer a cena e também implorava vida.
Ela, com um passo, conseguiu levar ao rosto do homem seus dedos. Eles o lamberam, estão frios e úmidos, gozavam de total liberdade e consciência, como se conhecessem aquele rosto.  Cúmplices, dedos e face guardavam o segredo do amor, que ali morreria e aos homens seria vedado. “Tua face se contorce a chorar; sorria, coloque essa máscara triste que agora te dou. Sorria e viva.”

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