quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Minha Poesia


Minha poesia não se encontra nessas folhas amassadas, cheirando a mofo, em grandes bibliotecas. Minha poesia não foi cantada por trovadores, não encontrou a paixão dos românticos nem se estreou nos teatros. Minha poesia não foi recitada, cantada, sequer lembrada. Não está na natureza, no arfar obsceno dos amantes ou nos seios fartos da ama de leite. Ela não ajunta, não destrói, não pode ser lida em alta voz. 

Minha poesia foi escrita nas cavernas, é antiga como o pecado de Eva no Paraíso e dela nasceu o fogo. Foi lentamente comida pelas traças, arrasta pelas águas da chuva, dada aos porcos famintos. É escura como os olhos de um louco, ressequida como a ferida leprosa, fétida pela podridão que encerra.

Minha poesia é a vida e a solidão macondiana. É os sonhos frustrados do jovem apaixonado, é os livros guardados sem ler, é aquela tarde que ninguém reparou a cor. Todo tempo que se perde, todo beijo sem amor, todo adeus que machuca, cada uma dessas misérias humanas dão à luz minha pobre criança versada. Versada no saber que não serve a ninguém. Versada na angústia que tempera as noites. Minha criança que nasceu morta e não há terra que caiba seu corpo fino.

Minha poesia é a morte e a ilusão da salvação. Na minha poesia, crucificamos deuses e lhes agradecemos o peixe que nos farta a mesa. Nela, toda pele é inútil, todo músculo, somos ossos e vísceras, famintos por tão fraca salvação. Minha poesia me salva de toda felicidade. Caio no mais profundo poço e a encontro úmida e enrugada, latejando prazer.  Do meio de suas pernas, escorre o fel da sua melhor cria: a dor. 

Queimariam minhas palavras rotas, se pudessem, lançá-las-iam aos cães, se os tivessem, expurgariam todas minhas dores, se as conhecessem. Mas não há quem as encontrem, sejam as palavras vomitadas ou as dores abraçadas, minha poesia as esconde por baixo desse sorriso leve e juvenil. Por baixo dessa roupa feita sobre medida, dessa pele com perfume de suor, uma alma sangra e clama liberdade. Faça desse dia tua última lembrança, chora ela desafortunada.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Double Rainbow


No lado leste das Montanhas Viradas para o Oeste, nasce um Rio. No príncipio dos tempos, surgiu em suas margens uma parca civilização sem valor nenhum, os homens que lhe deram origem puderam ver o nascimento desse Rio e o que exatamente aconteceu é contado assim:
"Quando Deus e a Deusa se uniram e criaram o Universo, o Sol e a Terra, com todos os seres que ali viviam, homens, animais, plantas, a última era completamente seca e sempre que os seres necessitavam de água, a Deusa fazia descer do céu a chuva, cujas águas todos os seres eram capazes de estocar e assim eles se mantinham por alguns dias. Deus, que é bom, via sua amada mulher desdobrar-se em esforços sobredivinos para saciar a sede daquele povo, a que ela desprendia toda sua atenção e cuidava como se fossem as pessoas rosas prontas a desabrochar, e a benevolência de sua esposa para tão insignificantes seres moveu seu coração que por toda a Terra pode se ouvir as batidas fortes que anunciavam como trombetas a ação do Rei.
Tomado por criatividade artística de Criador, Deus tomou sua esposa e a deitou sobre as Montanhas Viradas para o Oeste, com a precisão de um médico, enfiou sua mão no útero dela e retirou um dos seus ovários, o qual assoprou. O ovário, sobre a ação de fluido tão puro, se fez água e ela foi posta sobre as Montanhas, descendo-as devagar, formando por onde passava o Rio. A chuva se tornou desnecessária e nunca mais ocorreu."
O Rio tinha Alma que era límpida como seu leito, brilhante como sua superfície e refrescante como as muitas águas que corriam. Ele tinha a capacidade de por onde passar deixar tudo mais feliz, as pessoas que sua água bebiam diretamente sentiam alívio de suas dores e o seu balançar podia embalar bebês, pois sua correnteza mansa nunca os levava para longe de suas mães. O Rio ia até o fim da Terra, mas a Terra não tinha fim.
Após anos de completa harmonia, o Sol pediu ao Rio que se esforçasse e lançasse no ar algo de suas águas, porque tinha tido uma ideia e seria ótima. Diante de tal pedido, todos os homens se ajuntaram às margens do Rio, ele, por sua vez, se contorcia e se revirava tentando desprender de si um pouco de água. Passados dois longos meses em que nenhum progresso era feito, algumas águas se desprenderam e subiram aos céus. O Rio logo exclamou sua vitória, o Sol fez força para aumentar o seu brilho, as pessoas olhavam curiosas para cima, quando a água e os raios solares fizem no céu um arco, colorido e brilhante, algo que ninguém nunca tinha visto igual, até os Deuses se encantaram e lhe chamaram arco-íris.
Aquele espetáculo começou a ser constante por anos e sempre que acontecia, os homens tiravam folga de seu afazeres praa olhar o céu e os Deuses assopravam vida por toda a Terra.
Quando a visão do arco-íris já não deva tanto prazer, o Sol decidiu aumentar a potência de seus raios e tentar a chance. Na hora marcada, o Rio se contorceu, jogando água no ar e o Sol gritou de dor aumentando muito o seu brilho, desse movimento surgiu um arco-íris duplo que se fixou no céu, levando todos os habitantes da Terra à total contemplação. O dia se foi, a noite chegou, e o duplo arco-íris permanecia preso à abóbada celeste.
O Rio que sereno continuava a descer pelas terras admirava o arco-íris e pensava que nem os Deuses eram tão belos e antes que o Sol nascesse outra vez, caia apaixonado pelo arco-íris. A partir de então, em sua função, trabalhava, sem tirar os olhos daquele arco que cortava o céu e das suas margens, saia melodias harmoniosas que a todos diziam de amor. Durante o dia, descia seu caminho como sempre havia acontecido e, pela noite, se contorcia e se esforçava para alçar o céu, sem conseguir êxito nenhum.
Séculos se passaram, o arco-íris continuava colado ao firmamento, o Rio, seu amante, continuava a tentar em vão lhe por as mãos, lhe tocar os lábios, sentir o cheiro, e só corria seu caminho dia após dia. Suas águas se tornaram grosseiras, seu sabor, pestilento, seu brilho se esvaecia... Em dor, o Rio derramou uma lágrima em sua margem, e depois outra, até que um pranto se escoasse e muitas lágrimas lhe cobrissem a margem, tão forte era o choro, que as Montanhas Viradas para o Oeste se viraram para o leste para saber o que acontecia. Como nada o fazia parar, pois sua dor nunca fora conhecida na Terra, o Rio transbordava e ocupava todo o chão que antes eram onde os homens plantavam e viviam, esses, amendrontados, fugiam a lugares mais altos e pediam misericórdia dos Deuses.
Vendo tanto sofrimento sobre a Terra que fora criada para ser feliz, os Deuses destruiram o arco-íris no céu, seus pedaços caiam sobre o chão e sobre o próprio Rio, que, ao sentir sobre si a textura leve e agradável de sua amada, acalmou-se. Entretanto, nas terras baixas, o Rio se tornara imenso de modo a não ser possível ver um único pedaço de terra. Os homens, tranquilazados pelos Deuses, desceram para perto das águas e as provaram, "Águas de dor, águas salgadas de dor!".
Águas salgadas, turbulentas, escuras e sem fim. Águas de dor.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Orações




Quero partilhar com vocês belos textos que me estão fazendo muito bem por esses dias de trevas pessoais!


O Peregrino do Senhor
Altiva Noronha

Senhor!
Eu gostaria de servir,
Gostaria de dar o meu contributo
em favor de um mundo melhor. Gostaria de ser grande e nobre,
para que a dor batesse em retirada da Terra.
Eu gostaria de ser como uma Via-láctea de estrelas,
Para que as noites da Terra fossem mais belas!
Mas ante a minha pequenez, Senhor?!
Não podendo, então ser uma Via-láctea,
deixa-me ser um pirilampo na noite escura,
Iluminando a amargura
de quem vive na escuridão.

Eu queria ser como a chuva generosa,
que caísse sobre a terra porosa
e reverdecesse o chão.
Mas, se eu não o conseguir,
eu te venho pedir
para ser o copo de água fria,
matando a sede, a agonia,
de alguém que está na desesperação.

Eu queria ser como um jardim de flores
de todas as cores,
para embelezar a Terra,
mas, na pobreza que minha alma encerra,
se eu não puder ser um jardim,
deixa-me ser uma flor solitária
na rocha colocada,
para dar beleza
e dignificar a natureza.

Eu queria ser um trigal maduro,
para repletar a mesa
da Humanidade com o pão!
Mas se eu não o puder,
aqui estou a rogar
para ser um grão
que, caído no chão,
se transforme num milhão
e atenda à fome inteira da multidão!

Senhor!
Eu gostaria de ser a montanha altaneira,
donde se tivesse a visão da Terra inteira,
mas, como nunca o hei de conseguir,
aqui estou a pedir
para ser uma pedra
pavimentando o caminho por onde seguem os heróis,
ou uma escada
para ajudar a subida dos homens.
Mas, se eu não o lograr,
deixa-me ser o primeiro degrau...

Eu queria, sim
ser poeta,
orador,
esteta,
artista,
prosador,
para cantar a magia,
a poesia,
a beleza da Tua Mensagem
de eterna pujança!
Mas, como me faltam o estro,
a palavra,
a tinta,
a empatia,
deixa-me, Senhor,
ficar à sombra de uma árvore
no caminho,
para quando passe alguém
de mansinho,
eu lhe diga:
- “Olá, meu amigo!”
E ele, olhando-me,
Possa perguntar quem sou
E eu lhe responder, tranqüilo: “Sou teu irmão.
Dá-me tua mão.
Irei contigo..."

Ó Senhor!
Muito obrigado,
porque nasci,
porque creio em Ti.
Muito obrigado!


Oração de São Fracisco de Assis

Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor; Onde houver ofensa, que eu leve o perdão; Onde houver discórdia, que eu leve a união; Onde houver dúvida, que eu leve a fé; Onde houver erro, que eu leve a verdade; Onde houver desespero, que eu leve a esperança; Onde houver tristeza, que eu leve a alegria; Onde houver trevas, que eu leve a luz. Ó Mestre, Fazei que eu procure mais Consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado. Pois, é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive para a vida eterna.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Ensaio sobre a Dor

A Dor é o mais belo de todos os sentimentos. Sim, um sentimento. Claro, aquela que vai além do que é físico. É aquela Dor que se sente nas veias, pulsando forte, e sai pelos poros, exalando seu cheiro doce e pesado. Essa Dor que não passa, que continua se sentindo em meio a alegria e a bebedeira, persiste ao sono e ao Prozac. É essa Dor que traz à vida sua beleza mais plena.
É pela Dor que os homens crescem, é pela Dor que tomam consciência de si, suas verdades. Na Dor, o homem encontra seu tesouro mais precioso, ele encontra seu próprio Espírito. A Dor é nascida do Amor, o Amor que, primeiro, se escondeu, depois, se deu e, enfim, se revelou. Das águas tortuosas do Amor, nasce a calmaria trazida pela Dor. É por Ela que o homem sabe que tem que continuar, se levantar e ir à luta, se embebedar de Amor e Paz. É por ela que a História progride e a Ciência se faz. O Sol só se levanta pela manhã por causa da Dor dos homens, o mesmo se diz das nuvens que descarregam-se para limpar o que restou do Amor.
É das chagas da Dor que se tiram os melhores poemas, é do meio de Seus espinhos que se pode ver Deus, é pelo sangue derramado e emposado no chão que se pode fortalecer o coração. Cada parte do homem treme e arde à Dor e de um turbilhão ecoa sua voz que diz: "Me leva, Dor, me leva". A Dor é uma amante de noites frias e suas fantasias sexuais.
A Dor é o Caos. Dele tudo deriva. Cada sensação humana, cada gesto e emoção passou por Ela e se criou. Ai, daqueles que não entendem a Dor e evitam-na! Todos deviam sentir o quão divina Ela é.


Dedicado à Luana Justus, Dani Kafuri, Bethânia Vaz, Luma Verdeiro, Laís Comini, João Paulo Nóbrega, Thi, Fernanda, Francisco e Camilla Fukunaga por saberem me mostrar o melhor caminho e a Henrique Rodrigues Neto por me mostrar que não sou de pedra.