A sala tinha as paredes extremamente brancas, como nenhum
tecido pode alcançar, eram lânguidas, compridas, uma criança diria que elas
certamente encostavam no céu. O chão se mostrava num belo mosaico, que formavam
figuras históricas e contos de amor. A sala era quase completamente vazia,
apesar de suas dimensões exageradas, o que dava ao som uma capacidade única de
ecoar e ecoar, sem nunca deixar de existir, o único móvel visível era uma
cadeira firme que formava o estranho símbolo de uma cruz onde podia se ver os
escritos: “Força e Poder”, na vertical, e “Amor e Dor” na horizontal. Em frente
a essa cadeira estava uma mulher cujos cabelos enrolados e caídos até o meio de
suas costas eram mais negros que se possa imaginar, os olhos também assim tão
negros e de insolúvel reação a qualquer detalhe a sua volta e como na cadeira,
neles, se lia claramente os mesmos dizeres.
Uma capa de cetim vermelho deitada ao chão, tirada há tão pouco tempo
pelos seus movimentos, indicava qualquer tipo de nobreza de sua bela dona. O que a capa anteriormente escondia aos olhos
era um corpo fino de uma cor branca como se refletisse ou fosse molde àquelas
paredes, vestido com simplicidade e bom gosto, num pequeno vestido azul. Aquela mulher que de maneira alguma se
deixaria passar despercebida olhava com tanto pesar, com tanta piedade e amor,
e todo desejo, um homem comum, de vestes tão mirradas que não mereceriam
nenhuma descrição, que ajoelhado aos seus pés respondia ao olhar daquela com
intensidade e confusão.
Aquela imagem estática, que parecia planejava por um deus
que não queria nela por um fim, se estendeu por um tempo que não pude calcular;
qualquer observador, mesmo relapso, se deixaria envolver nela, se sentiria tão
parte dela que não pensaria em mais nada, não desejaria ver mais nada, como se
a vida se resumisse àquele momento e depois desse se extinguiria deixando tudo
sem nenhum propósito além de estar ali, parado, observando aquela mulher e
homem, com os olhares sólidos, apontados feitos armas de guerra, encostados
feitos lábios durante um beijo, tão conectados que agora me confundo com outros
detalhes. Não seria o homem que real se mantinha em pé? Ou a mulher que
maltratada implorava ao chão? Seria dia? Existiu aquela sala? O que me
importaria qualquer uma dessas respostas se aquela troca de sentimentos, se
aquele fio prateado que ligava os olhares de um ao do outro simplesmente se
rompesse? Por que nasceria eu senão para parar ali e observar?
Nenhum movimento, a estética mantida na mente do artista, o
quadro rubro riscado em negro dava a forma. Os olhares fixos demostravam almas
irrequietas, implorando por mais silêncio, que tempo esquecesse seus passos
lentos, que as crianças não crescessem, que um novo amor não surja, que o velho
não morra; mas uma lágrima decidiu quebrar aquela paz, como a neve no final do
inverno, aquela lágrima mudou o mundo, deu à cena um ar vivo, aquilo que não
passaria de uma obra num museu em que todos pudessem ver seus próprios rostos
naquelas personagens, naquela momento, respirou. A pulsação ganhou seu ritmo
usual em meu peito que arfava. No rosto do homem que ali se ajoelhara em
silêncio, a lágrima retumbou, escorreu e não foi limpa. Sob seus joelhos os
mosaicos antigos se trincavam e moviam, recriando a bela cena há pouco
interrompida; ao mundo a desgraça de se perder a sua beleza nunca mais
replicada. O som era minha agonia, a lágrima não queria se calar. Da parede
escorria o lodo com seu fétido odor, maculando a alva parede em verde, e
tremia. A beleza teve um fim; amores de manhãs frias.
Ele disse: “Quero viver. Ordena-me”. Como a lua, no crepúsculo, repetidamente diz
ao sol, ele disse: “Quero viver. Ordena-me”. Ordem banal; sem motivo. Há quem
viva, eu vivo, por esse momento eu vivera e por ele darei meus dias, escreverei
contos e poemas e farei de sua imobilidade, a paixão de minhas noites e suas
canções. A ordem seria clara: Viva! Era o que ele queria, vida. Dar-lha-ia eu,
se a tivesse em abundância, dar-lha-ia eu, se minha própria vida não se
resignasse a ser uma observação. A lágrima ao chão era a única que poderia nos
dizer que vida era essa que ele, de joelhos, implorava, mas já se tornara
pedra, já compunha o mosaico que lutava para refazer a cena e também implorava
vida.
Ela, com um passo, conseguiu levar ao rosto do homem seus
dedos. Eles o lamberam, estão frios e úmidos, gozavam de total liberdade e
consciência, como se conhecessem aquele rosto.
Cúmplices, dedos e face guardavam o segredo do amor, que ali morreria e
aos homens seria vedado. “Tua face se contorce a chorar; sorria, coloque essa
máscara triste que agora te dou. Sorria e viva.”