segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Escuridão

Já ouvimos dizer dos mais estranhos amores, amores por animais, pedras, objetos, professoras de matemática, mas o amor de Joaquim é inédito, nenhum ser humano antes se atreveu a se apaixonar pela escuridão.
Não se sabe ao certo como aconteceu, mas Joaquim passava o dia sonhando pela hora do crespúculo, quando novamente veria sua amada. No trabalho, já era uma estátua, trocos errados e clientes insatisfeitos lhe sobravam e, como morava sozinho, em casa, sentava-se em um sofá, de onde via o sol indo e indo, o coração palpitava e a respiração não saia das narinas, o pulmão se virava como podia, sem ar.
Enfim, a noite chegava e sua bela entrava devagar pelas frestas das portas e da janela, derramando seu vestido negro sobre os móveis e suavemente abraçava-o e ele sem forças arrepiava-se. Que perfume bom traz-me, amor. Joaquim sentia, então, na sua boca o toque suave da escuridão, que frio era, e o homem devolvia mordidinha leves nela.
Quando não aguentava mais a excitação, lentamente, sem desgrudar-se daquele vulto apaixonante, se levantava e abraçados iam para o quarto. Lá, começavam a dançar, ora um levava, ora o outro, e se tocavam com a doçura de amores novos, que era certamente o deles, e com a pureza de virgens em colinas de pastagens novas em primaveras. Joaquim ao pouco ia despindo a roupa que levava e cada peça podia sentir melhor o corpo de quem tanto amava, ele se enchia de prazer, ofegava a cada movimento e se estremecia, às vezes ria-se da reação do seu próprio corpo, que tremia e se contorcia.
E passado um tempo, vería-no-mos completamente nu se a escuridão, seu par, não o cobrisse ali por completo. Eram um homem nu e a total ausência de luz formando um único ser, de onde ouvíamos os gemidos sinceros daquele e o silêncio dessa, na mais perfeita harmonia, no real prazer que o amor os dá, o prazer de estarem juntos, compartilhando a pele e o ar, tendo nele a escuridão, tendo nela o Joaquim.
Quando acordou, Joaquim não quis abrir os olhos, sabia que ela já tinha ido e a claridade tomara seu lugar, na sua frente a tinha, na forma perfeita, ou na falta de uma forma, mas estava ali na sua frente. O pior dessas noites de amor era que ele sempre adormecia e quando acordava já não a via em lugar nenhum, não podia por muito tempo tê-la ao seu lado.
Ele, então, se matou. Agora, na eterna escuridão, poderia com ela mestrar a mais bela dança, ela já informe como é, ele na sua nova forma que a completava, alma informe então se tornou.

Um comentário:

bethssm disse...

O último parágrafo é lindo. Me fez lembrar alguns momentos que passei. E que eu buscava muito por um ESCURO. Enfim, você sabe o quanto que chorei depois de ler esse texto! Você fez meu coração doer. Te amo!