Quem iria dizer que paisagens tão cheias de vida e poesia formariam a imagem dos Confins da Terra?
Alice, criança ainda em suas feições e velha bondosa em seu coração, analisava com cuidado cada pedaço do quadro sublime que se desenhava em sua frente e o único defeito que via era sua própria e desarmônica presença. Não era natural! Sua roupas eram caras, seus sapatos desgastados no caminho ainda reluziam, sua pele mantinha o bom cheiro. Mas, ali, longe de tudo, onde não havia como seguir adiante, era seu lugar, o que inspiraria seu último fôlego e, como todas as Alices, Clarices e Janices, como todos os Paulos, Mauros e Lauros, como todos os pássaros, flores e pandas, como todas as lesmas, besouros e aranhas, se entregaria e comporia os Confins.
Chorando como um gato, nasceu num dia comum e nenhum jornal publicou o cometa que iluminou o céu naquela manhã. Ninguém viu.
Cresceu sozinha, como crescem aqueles que estão destinados a grandes coisas; nunca encontrou alguém que entendesse a vida, todos queriam um brinquedo, um namorado, um presente, ele queria dançar ou contar histórias. Estudou pouco, já sabia tudo que precisava, sabia que o sol era quente e passeava pelo céu, sabia que passarinho nascia com o dom de cantar e sabia que a morte é mais leve para quem ama. Não queria saber dos livros de Geografia, queria viajar. Não precisava de saber Matemática, pois sabia que uma andorinha só não faz verão. Não precisava de nenhuma língua, pois se expressava com olhar. Parecia muda.
Virou Profetisa.
No fundo do seu quintal, perto da cerca, encontrou o deserto por onde perigrinou. Foi tentada três vezes pela Joaninha que sabia voar. Alcançou o voo quando fechou os olhos e, numa noite nublada, caiu na tentação e se vestiu de joaninha. Após quarenta minutos, estava pronta para sua missão.
Entrou em casa pela portas dos fundos, sua mãe perguntou o que queria pro jantar, sopa. No quarto, arrumou o cabelo e se vestiu de azul, o pingente de coruja no lado esquerdo do peito, os sapatos pretos cheiravam à graxa. Saiu sem despedidas e nem perceberam que faltava alguém no jantar.
Na praça da sua vila tristonha, um chafariz tornava ainda mais melancólica a luz do luar, e com suas águas brincava um menino pequeno que cantarolava um canção familiar para Alice. Quando se aproximou, o menino virou com seus olhos grandes e disse: "Nos Confins da Terra encontrará seu destino" e apontou a estrada suja e medonha, de onde só vinham histórias tristes e assustadoras e era bem sabido que nos Confins, como tudo mais, Alice encontraria seu fim.
Nunca soube de alguém tão nova rumando por aquele caminho, nunca soube de alguém voltando daquele caminho, o murmúrio contínuo que vinha de lá trazia consigo gemidos de dor ou de amor que não se podia suportar. Mas, mesmo com um medo de quem come algo novo, sujou seu sapato na primeira poça de lama que encontrou no caminho.
O caminho era como todos caminhos que não levam a lugar nenhum e descrevê-lo seria entediante e sem propósito. Importante é dizer o que pensava Alice, sentada numa pedra chata, enquanto admirava a visão dos Confins do Mundo.
Sentada ali, pensava no seu caminho com certa dúvida; por ora, achava que permanecia em sua cama e sonhava com terras estranhas, cheias daqueles seres fantásticos, talvez imaginários, chamados de gente. No caminho, encontrara um homem que lhe ensinara as usar as pernas para dançar. Uma moça que usava uma trança de cabelos pretos e flores. Um garoto que escrevera uma poesia sobre amor. Um senhor que demorava um dia para chegar à cozinha. Uma mulher que não sabia dormir. E árvores de mais de 30 metros, borboletas com cores brilhantes, pássaros falantes, cachorros empolgados que lhe surravam o vestido, um espelho de água em cujos reflexos não se reconheceu e uma cachoeira que imitava o som de seus sonhos. Com ninguém disse uma palavra sequer, mas a todos, com o olhar, transmitiu o que sabia sobre a vida, e todos lhe agradeciam com pão e chá.
E numa curva à esquerda, sabia que tinha chegado ao seu destino. O paraíso, se me permitem, não é tão bonito, a natureza intocada, o som de cantos e de águas, o caminho com pedrinhas de brilhantes não se faziam confundir. Ali, onde ninguém vivia, a paz era absoluta. Ali, onde não havia teto para oferecer proteção, Alice se encontrou. Sozinha, sem uma alma que lhe dirigisse um olhar falante, ela deitou e beijou a grama que cobria o chão; a grama vibrou com o carinho recebido, envolveu o corpo fino de Alice e fez dele um punhado de pó que tornou mais lindo o lugar em que jazia.
Nesse momento, um cometa cruzou o céu, e na cidade de Alice, um menino sorriu.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Um Caminho para Esquecer
Por sua amada Dulcineia, Dom Quixote valentemente se colocou a frente
de gigantes-moinhos, defendendo aquela que lhe inspirava tão belos
sentimentos. O Amor é a força-motriz de cada uma de nossas ações e a
nossa busca pelo belo leva-nos os atos mais sublimes e também aos mais
torpes.
O Amor é certamente minha força, não acredito que consiga dar um pequeno passo, senão por Ele. E Ele que me torturou seguidamente, que de joelhos implorava por socorro sem ver saída, Ele que me levando aos poucos ao desepero e à angústia, me deu forças para fazer a única que consigo fazer quando me sinto fraco, eu fujo. Estou fugindo, fingindo...
Para que estrada se adorne de flores é necessário que se revire a terra.
O Amor é certamente minha força, não acredito que consiga dar um pequeno passo, senão por Ele. E Ele que me torturou seguidamente, que de joelhos implorava por socorro sem ver saída, Ele que me levando aos poucos ao desepero e à angústia, me deu forças para fazer a única que consigo fazer quando me sinto fraco, eu fujo. Estou fugindo, fingindo...
Para que estrada se adorne de flores é necessário que se revire a terra.
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