terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Céu

Nesses dias tem chovido muito, não saio de casa sem me molhar. A água escorre pelas ruas, pelos cantos, limpa, me limpa. Nesses dias, não vi o Sol, nem a Lua, os dias são escuros, as noites mais frias que o comum. Não me sinto triste, a chuva me refresca, me liberta, sinto paz por essas águas, Não me lembro do Sol, mas Lua me persegue, bate em minha porta, vou atendê-la e só vejo a água escorrendo, leve, me leva... O Sol não me faz sofrer, se escondeu nas nuvens e lá desistiu de viver, o Sol que outrora brilhou com força, deixando-me semi-morto em um deserto de emoções, sem água, sem paz, só luz, luz que maltrata a visão e impede a clareza de certas ideias, ele não me faz sofrer. O Sol não me machuca mais, esqueceu-se de mim, e minha saudade é a melhor forma de esquecimento. Mas a Lua vem, chama, clama, me tira da cama, dói. A Lua é repleta de sentimentos, a Lua chega a mim e pede ajuda, a Lua nunca me esqueceu. E eu, coitado, ia feliz pela chuva, muitas vezes sem ver dois metros a frente, eu, encharcado, esquecido dos dias e das noites, ignorava tudo e vivia nada. Lua, prateada, sem luz, iluminadora, apaixonada. Lua, essa que não me esqueceu, Lua, essa que me chama pelo nome e que a chuva encobre. Lunáticos pensamentos, vontade de sair de casa, soprar as nuvens e me banhar de Lua. A Lua me fez sorrir, me fez rir, me fez amar e a chuva me tirou seu hálito, fresco hálito noturno que me fez ver tudo com clareza. Ouço a voz que chora, não chore... Confundo-me, Sol, Chuva, Lua. Lua e Chuva. Sol depois da Lua. Lua que leva a maré, Lua que dispõe as estrelas no céu, Lua que some e volta, triste Lua que morre a cada dia, fardo grande o seu e o meu maior, o meu é amar a Lua. Destrua-me, Lua, consuma-me, queime, arraste, ame-me!

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Vida

Morre uma, nasce outra
De manhã, uma, pela noite, outra

Cresce o menino que não quer crescer
Fica forte e saudável como a mãe quis
Cresce o menino, diminui o mundo
Um mundo triste e vazio que o menino não quis

Uma vida é uma ilusão
É um dia e seu fim

O menino tem saudades dos brinquedos
Ele não quer mais voltar
O menino lembrar do primeiro beijo
Já tá na hora de casar

O relógio é a faca
A vida é o queijo

Num segundo, o menino descobri a verdade
Dói uma decepção, machuca o coração.
Disseram que homem de verdade não tem vaidade
Mas disseram pra cortar a unha da mão

Tudo que se diz dessa vida é mentira
São verdades que a morte vem e tira

O menino não é mais garoto
Mas ainda tem um novo coração
Renova sua vida em si
Mas vida é só uma citação

Quem dera o garoto pudesse ver
A verdade do mundo é o seu querer
Seu querer de tranformar, de renovar
De uma nova vida criar

A manhã trás o sol e a vida
A vida não tem fim



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Frade e a Freira

Em frente ao oratório em seu quarto em um convento isolado do resto do mundo, uma mulher nua estava ajoelhada e chorava entre tantas ave-marias e pai-nossos, seu rosto era formado de angústia e sofrimento e nos seus olhos brilhava o amor, amor tão puro e sincero, mas completamente proibido pelos homens e por Deus. Nesse lugar, a única iluminação vinha de uma vela posta em frente a santa e embora não iluminasse muito bem a santa, iluminava a mulher chorosa presa ao chão. Atire a primeira pedra, atire, pensa ela.
No alto da igreja ao lado do convento, um sino de ouro bate três vezes. Três da manhã, é chegada a hora. A mulher se levanta, pega da cama seu hábito, azul-celeste cheirando a enxofre e só ela sentia, azul-celeste, como a Mãe, pecadora como a outra Maria. Vamos, não temas e atire a primeira pedra. Cobria-se quando ouviu-se um leve toque na porta e pés ligeiros no chão de madeira. É ele, pensou. E seu rosto inundou-se em um sorriso sacro de amor divino, o sorriso pecador e santo que Lúcifer dava ao ver Deus antes de sua queda. Abriu a porta, olhou a sua volta, escuridão. Pegou a vela e seguiu a mesma direção dos passos, mas os delas eram leves e não se ouviam.
Uma bela porta entalhada a mão postava-se a frente da mulher, que a empurrou, levou o corpo para dentro e deu a última examinada no lado fora, escuridão.
Lá dentro, uma igreja, como um altar monumental e ornamentado, no meio dele Cristo crucificado. Morreu por mim, por nós, pelos nossos pecados. Do seu lado direito, Maria se exibia santa e imaculada, azul-celeste, celestial. A mulher virou a cara. A Senhora amou José, amou, sim. E a esquerda dele, São Valentim vestia-se de rosa-púrpura e r
ia da situação. Essa é a igreja dos apaixonados.
Ela olhou tudo e logo abaixo, via um sinueta masculina, nua. Seu corpo era claro, alvo, e olhava para o altar em busca de explicações.
Eros, sussurou a voz da mulher que ecoou por todo altar e voltou a ela, que se assutou com o próprio barulho. Ele se virou e sorria maravilhado, rígido. Maria. Maria, era esse o nome, Maria, mãe, Maria, paz, Maria, Maria.
Ela se despiu e correu para junto dele e lá se amaram mais uma vez.
Depois da missa do sábado, Tueris, uma freira nova, chegou-se a Maria, Eu vi. Fez um silêncio e ela repitiu, Eu vi. Vi você e Eros, sei de tudo e contarei seu pecado a Madre Verônica, vocês serão expulsos e vai ser agora. Maria não pode nem responder, estátua de sal, olhava para trás, para seu pecado e amava-o. Continuou ali por um tempo, sem pensar em nada e via Tueris se afastar. então correu, tinha que chegar ao seminário, encontrar Eros e lhe contar tudo, ela correu como pode, levando seu hábito azul-celeste, como o tinha levantado na primeira noite que passara com Eros, e correu. Atire a primeira pedra, pecadora que sou, perdoa-me Pai, perdoa-me Mãe, amaste José, amaste. Um seminário antigo, um corredor cheio de futuros padres, uma freira de hábito azul-celeste, linda, era só isso que se via.
Tueria sabe de tudo, nos viu no altar no último dia que lá estivemos, eu e você. Eros olhou para a cara dela desesperada sem saber o que fariam e disse, Não esperava que fosse tão cedo, colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha da mulher, Mas sabia que aconteceria e esperava esse momento para te pedir que fujas comigo.

Um seminário antigo, um corredor cheio de futuros padres e uma freira de hábito azul-celeste correndo o mais rápido que podia, iria viver o seu amor.
Maria, ouviu-se o grito quando ela em seu quarto pegava seus pertences, um terço velho de família, umas notas de dinheiro e só, era o que tinha, pobre Maria. Maria, e quando ela saiu pela porta de seu quarto, via Madre Verônica vermelha como as poucas vestes de São Sebastião e Tueris ao lado, sorrindo. Maria correu, dessa vez chorava, era sua vocação que deixava para trás, junto a Madre Verônica e a igreja dos apaixonados, era para Deus que dava as c
ostas e para seu voto sagrado e quebrado. E Maria chorou, como o Filho daquela outra, chorou, enquantou corria desesperadamente para os braços da felicidade que a vida e a carne lhe ofereciam, ela chorou amargamente.
Nas portas do terrenos que abrigava o convento, o seminário e a igreja dos apaixonados, Eros a esperava com um burro, um burro! Atrás dela a Madre e a freira ainda corriam, ela parou. Vem, Maria, gritava ele, Maria, Maria, gritavam elas. Era o que realmente queria, não podia deixar tudo isso por um sonho fugaz, então olhou Eros com pesar, virou para a Madre Verônica e tirou do cabelo o véu, jogou- o no chão e correu para Eros que a acomodou em cima do burro.
E pelas estradas andavam, a busca de um lugar para construir uma vida. Em paz
, ela no burro, ele a pé na frente e o mundo em volta. Não demoraram a encontrar um lugar bom e bonito, como Maria queria, ao pé daquelas montanhas conhecidas como O Frade e a Freira, construiriam um lar, estava decidido. E ela, enfim, disse, estou grávida de ti, Eros, grávida. E ele sorriu, sob a sombra das montanhas.